terça-feira, 2 de abril de 2013

DONA BIDU







- Já vou em 104 anos. Há quanto tempo você está aqui?

- Acho que há umas duas horas.

- Então vá embora antes que crie raiz na casa.

- Dona Bidu. Eu vim aqui lhe trazer chocolates, agrados.

- Chocolates? Cho-co-la-tes? E então? Já trouxe. Sinal de que já pode ir.

- Estou muito chateada com a sua reação. Uma senhora tão educada e lúcida...

- Esta é a verdadeira lucidez.

- Olhe, eu nunca fui tão agastada.

- Essa palavra “agastada”, queria saber de onde tirou e pra que. Não vê que me constrange o tempo inteiro? Primeiro falou durante horas daquele filme A Noviça Rebelde, como se eu fosse uma velha coroca idiota a sonhar que danço de anágua e calçola nos montes da Áustria. Nunca suportei aquela família chata. E a cantoria que não acabava, meu Deus.

- Me desculpe mas é um filme do fabuloso Robert Wise, e a senhora não devia dizer isso por aí. Se alguém de categoria ouve isso, pega mal.

- Pega mal? E você acha que eu estou preocupada com esses intelectuais seus amigos? Tudo do segundo escalão. Pois fique sabendo que se aquela Julie Andrews entrasse por essa porta eu dava-lhe uma cacetada. Coisa modorrenta... agora Murnau, Fritz Lang, Billie Wilder você não fala.

- Mas...

- Não fala porque é uma visita chata e sem alma. E ainda mais, fica falando comigo com uma vozinha de criança. “como é que ta a vovoxinha? Como é que ta essa fofura? Vamos a praça pa-que-rá”?

- Dona Bidu, eu achei que estava fazendo um carinho.

- Carinho de oligofrênica. Ainda me bota um disco de Vicente Celestino, aquele cantor com cara de cafetão, pra que eu evoque minhas recordações do passado. Eu, esta senhora que está aqui, está aqui no presente, não no passado. No passado não tem ninguém. Morreu. Mas eu estou aqui. Quem devia vasculhar o passado era você, pra sentir que não há nada de interessante a se tirar de lá. 

-Dona Bidu, eu vou chorar.

- Chore, desmilingüida, porque estou cansada desta síndrome da vovó ganso, aquela fofinha sentada fazendo tricô. Eu só não processo Monteiro Lobato porque Monteiro Lobato não se processa, se ama e respeita; mas eu aviso que não sou vovó Benta, sou Tataravó Bidu. Li os clássicos. Fui cevada no Maquiavel, Dostoievksy, Cervantes e em todos os grandes. Você no máximo que chegou foi na Françoise Sagan. E mesmo assim, só pra atrair rapazes aqui de Santa Teresa ou do bar Central de Recife, com seu jeitinho parisiense nouvelle vague. Chegamos aí ao perigoso terreno da nostalgia. Minha filha, a nouvelle vague acabou faz tempo. A mim você não engana. Então ponha-se daqui pra fora.

- Eu vou, trisavó Bidu. E não volto mais.

- Você até pode voltar quando for menos estúpida. Viaja todos os meses a Paris, compra as grifes em evidência, torra todo o dinheiro do pai, mas vem uma vez na vida me visitar. E ainda tem a coragem de trazer para uma senhora de 104 anos, pernambucana da família de Joaquim Nabuco, uma mesquinha caixa de chocolates Garoto.





5 comentários:

rodrigo disse...

Dona Bidu Caldas... ops! "alter ego" de alguém que ouvi no sábado à noite!

Edilson Cravo disse...

Nelson:

Dona Bidu pra presidentaaaa...kkkkk

Amei.

Beijo e linda semana.

Nelson disse...

Obrigado, Edilson.

Anônimo disse...

aaaaaaaaaaaaaaaaaah,D. Bidu é um sonho!Eu conheo ela. Nelsinho, q momentos...
Bjs
Rita

André Lemos disse...

Tenho uma saudade de ser seu "amigo" no Facebook. Gostaria que você repensasse sua decisão de me ter bloqueado. Abraço admirado (sempre) e carinhoso (eternamente). Ah! Te amei e o amor jamais acaba!